segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Exemplo de aula produzida


UNIDADE I – CONHECENDO UM POUCO DA ANTROPOLOGIA



Resumo da Unidade I – Essa aula aborda algumas ideias que contribuíram de forma direta para o desenvolvimento da Antropologia da Educação como campo de conhecimento, bem como analisa um pouco do histórico desse campo. Nosso objetivo é proporcionar a você, estimado aluno iniciante nos estudos antropológicos, uma visão geral sobre essa temática.


Aula I.II – Um pouco do histórico da antropologia

Resumo da Aula I.II – Nessa aula, vamos estudar o como a antropologia se desenvolveu ao longo do tempo, com ênfase nos estudiosos mais importantes para a área.


Os primeiros passos a antropologia foram dados na segunda metade o século XIX, na Europa. A antropologia surgiu ligada a outra ciência humana, a Sociologia. Um dos grandes representantes do início da antropologia foi Émile Durkheim, pensador que criou o chamado “fato social” para explicar o objeto de estudo das ciências humanas (como a sociologia e a antropologia). O fato social age como uma norma coletiva com independência e poder de coerção sobre o indivíduo, ou seja, uma forma de coerção sobre os indivíduos que é vista como uma coisa exterior a eles, sendo estabelecida em toda a sociedade. Nesse período o mundo passava por uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas, geradas pela Revolução Industrial (Figura 1).


Figura 1: Representação das primeiras indústrias que usavam máquina a vapor. Fonte: http://www.gifmania.com.pt/arquitectura/fabricas/factory_silhouette_smoking_md_wht.gif
Essa Revolução formou o plano de fundo que deu origem a sociedade capitalista industrial. Em seu sentido mais pragmático, a Revolução Industrial significou a substituição da ferramenta pela máquina, e contribuiu para consolidar o capitalismo como modo de produção dominante. Esse momento revolucionário, de passagem da energia humana para motriz, é o ponto culminante de uma evolução tecnológica, social, e econômica, que vinha se processando na Europa desde a Baixa Idade Média.
Na Baixa Idade Média, a forma de produção de mercadorias mais característico do período foi o artesanato, o qual predominou durante o renascimento urbano e comercial. O artesanato era caracterizado por uma produção de caráter familiar, na qual o artesão era o proprietário da oficina e das ferramentas e trabalhava com a família em sua própria casa, realizando todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima, até o acabamento final; ou seja não havia divisão do trabalho ou especialização. Em algumas situações o artesão tinha junto a si um ajudante, porém não assalariado, pois realizava o mesmo trabalho pagando uma "taxa" pelo utilização das ferramentas (RECCO, 2010). O conjunto desses trabalhadores eram as chamadas Guildas.
É importante lembrarmos que nesse período a produção artesanal estava sob controle das corporações de ofício, assim como o comércio também encontrava-se sob controle de associações, limitando o desenvolvimento da produção. Assim, formaram-se as primeiras guildas: corporações medievais de ofício, compostas por artesãos de um mesmo ramo, com pessoas que desenvolviam a mesma atividade e procuravam garantir os interesses de classe e regulamentar a profissão. Elas foram criadas a partir da crença de que as escolas profissionalizantes existentes não podiam ensinar a cadência e o ritmo dos ateliês nos quais os aprendizes iriam trabalhar no futuro.
Segundo Hauser (1972), a sua educação baseava-se não em escolas formais, mas em oficinas, nas quais a instrução era prática e não livresca. Depois de haverem adquirido rudimentos de escrita e aritmética, vão ainda crianças, para junto de um mestre e passam muitos anos com ele. As corporações de ofício foram suprimidas pelo ideal da Revolução Francesa que consagrou a liberdade individual. O novo regime Francês, o qual pregava a liberdade para o exercício de profissão, arte ou ofícios, determinou o fim das corporações de ofício, através do Edito de Turgot de 1776. Vale ressaltar que o modelo de profissionalização das guildas foi dominante até o século XVIII, apesar de existirem as Academias de arte e de ofícios, paralelamente a estas corporações.
Além da formação do profissional, durante convivência com os membros das corporações era possível partilhar o ânimo pela nova profissão, com vínculos múltiplos entre os indivíduos que as formavam, dando unidade e possibilitando a construção de uma identidade profissional da corporação.
A manufatura, a qual predominou ao longo da Idade Moderna, resultando da ampliação do mercado consumidor com o desenvolvimento do comércio monetário. Nesse momento, já ocorre um aumento na produtividade do trabalho, devido a divisão social da produção, onde cada trabalhador realizava uma etapa na confecção de um produto. A ampliação do mercado consumidor relaciona-se diretamente ao alargamento do comércio, tanto em direção ao oriente como em direção à América, permanecendo o lucro nas mãos dos grandes mercadores. Outra característica desse período foi a interferência do capitalista no processo produtivo, passando a comprar a matéria prima e a determinar o ritmo de produção, uma vez que controlava os principais mercados consumidores.
A partir da máquina, o processo produtivo tornou-se fragmentado. O trabalhador, dominado pela racionalidade técnica do sistema capitalista alienante, não conhecia mais o processo produtivo, pois os seus saberes baseavam-se somente no setor da linha de montagem em que estava inserido. Considerando a Revolução Industrial como um processo contínuo, podemos falar que existiram períodos, os quais podem ser separados para caráter didático: num primeiro momento (energia a vapor no século XVIII), num segundo momento (energia elétrica no século XIX) e num terceiro e quarto momentos, representados respectivamente pela energia nuclear e pelo avanço da informática, da robótica e do setor de comunicações ao longo dos séculos XX e XXI, porém aspectos ainda discutíveis (RECCO, 2010).
Nesse momento, é preciso esclarecer a conexão entre o surgimento do capitalismo e o nascimento da antropologia. Como o sistema capitalista não se resumia apenas aos limites da Europa, ele buscava novos mercados para a venda de mercadorias. Isso gerou o mercantilismo e as grandes navegações.
Desse modo, o aparecimento da antropologia como ciência aconteceu a partir dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes europeus. Eles tinham a curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da europeia, de descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação e ao estudo dos dados recolhidos no lugar de origem (in loco) por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras longínquas. O objetivo é conhecer o ser humano nas mais diversas culturas (figura 2).
Os primeiros antropólogos tinham como característica comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em homens pertencentes a culturas distintas da europeia e dela geograficamente afastadas. A moderna antropologia, no entanto, estende sua pesquisa às sociedades industriais e até mesmo às grandes concentrações urbanas. Mas seus instrumentos de trabalho se foram aos poucos delineando justamente no estudo das sociedades "primitivas", mais simples e com um processo de mudança menos vertiginoso que o das sociedades modernas (SANTOS, 2005).
Aqui, cabe uma relação importante com a nossa área específica, as Ciências Naturais. O início da antropologia foi fortemente influenciado pelas teorias evolucionistas de Pierre Lamarck (1744-1829) e de Charles Darwin (1809-1882). Em ambas as teorias o ambiente desempenha um papel preponderante no processo de evolução das espécies de organismos vivos. Lamarck (figura 3) propôs que uma transformação no ambiente provocaria a necessidade das espécies mudarem.
Baseado nessa ideia ele formulou duas leis: a primeira ficou conhecida como Lei do Uso e Desuso, a qual abordava as novas necessidades e os novos hábitos do ser vivo com a mudança no meio ambiente. Com esses novos hábitos, o ser vivo passava o usar mais um determinado órgão, que se desenvolvia mais que outros. Nesse último caso, os membros pouco usados se atrofiavam. Já a segunda Lei prega que essas novas características passariam para as novas gerações, o que ficou conhecido como a Lei da Herança dos Caracteres Adquiridos. Dito de outra forma: se uma característica fosse adquirida por um individuo, quando esse reproduzir, irá passar para a outra geração essa característica.
Já para Darwin (figura 4), a evolução era consequência da Seleção Natural, ou seja, o ajustamento de uma característica reminiscente ao ambiente. A prevalência da característica torna-se favorável ao individuo, à medida que, hereditariamente, são transmitidas para as gerações seguintes. Assim, a transmissão sucessiva da característica benéfica acaba se consolidando na população, passando a ser um caráter comum, transmitido de geração em geração. Também por seleção natural, as características desfavoráveis de um organismo não se perpetuam reprodutivamente, ficando cada vez menos frequente na população.
Veja, abaixo um quadro que resume as principais ideias do pensamento desses autores evolucionistas:
Figura 3: Lamarck

Figura 4: Darwin

Quadro que resume as diferenças entre o pensamento de Lamarck e Darwin.
Fonte (Quadro e Figuras 3 e 4): http://azimutedabiologia.blogspot.com/2009/11/origens-dos-seres-vivos-3.html                    

A antropologia foi bastante influenciada por essas ideias evolucionistas. Por exemplo, o antropólogo estadunidense Henry Lewis Morgan (1818-1881) propôs um modelo de evolução cultural da humanidade. Para ele, as sociedades possuem três estágios: selvageria, barbárie, e civilização (sendo esse último o mais “evoluído”). No mesmo período, o inglês James Frazer (1854-1941) elaborava um modelo evolutivo do pensamento humano, o qual era composto em três fases: magia, religião e ciência (sendo a ciência a forma mais complexa de pensamento) (SANTOS, 2005).
Quando analisamos mais detalhadamente os pensamentos acima citados, notamos que a essa visão antropológica evolucionista da sociedade surge a partir da visão que os próprios europeus e estadunidenses de sua própria sociedade, a qual era encarada como “civilizada” e “complexa” por possuir indústrias e ciência. Por outro lado, as sociedades que apresentavam uma outra cultura eram vistas como “inferiores”, “primitivas” ou “atrasadas”.
Atualmente, acreditamos que as culturas que apresentam visões de misticismo (magia) ou de ciência não têm entre si uma relação de evolução cultural. Na verdade, elas apresentam explicações diferentes para o mundo que dependem dos contextos sociais e culturais dessas sociedades.
Uma consequência do pensamento do evolucionismo cultural é a ideia do determinismo geográfico, ou seja, a concepção de que o ser humano é um produto do meio ambiente. Por exemplo, vejamos o caso do Brasil. Durante muito tempo, os habitantes do Sul-Sudeste eram vistos como os mais “evoluídos”, enquanto os nordestinos eram tachados de “preguiçosos” e “atrasados”.
Qual é a explicação para isso? Na visão do evolucionismo cultural, o fato de que no Sul-Sudeste ter condições geográficas diferentes do nordeste, fez com que os habitantes sulistas sejam mais “desenvolvidos”. Já sabemos que isso não é verdade. Uma explicação mais plausível é o fato de que no Sul-Sudeste é que se encontra grande parte dos recursos financeiros e estruturais do país, inclusive à custa do restante do Brasil, o que acaba gerando uma segregação social em nossa pátria.
Cabe denotar que essa ideia de determinismo geográfico e biológico serviu também para justificar uma suposta superioridade racial como, por exemplo, a raça “pura dos arianos” durante o período de Hitler na Alemanha nazista.
Para finalizar nossa aula, vejamos abaixo, um trecho a título de exemplo de descrição antropológica, a qual é muito famosa entre nós brasileiros: é a carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, quando Caminha desembarcou nas terras brasileiras pela primeira vez. Leia com atenção, e reflita sobre esse encontro, o “choque de culturas” entre os nativos brasileiros e os portugueses.

A Carta
de Pero Vaz de Caminha
Senhor,
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
[...] E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
[...] A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa.
Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.
O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram.



Referências 

      HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte (Tomo I). 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1972. 
RECCO, C. B. Revolução Industrial. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/home/>. Acesso em: 13 jul. 2011.
SANTOS, R. J. Antropologia Para Quem Não Vai Ser Antropólogo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005.


Esse texto é uma modificação do trabalho publicado por Feitosa (2011): FEITOSA, Raphael Alves. Antropologia da Educação. p. 24-32. In: PEREIRA, Maria de Lourdes (Org.). Ciências Naturais. V. 8. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2011. ISBN 978-85-7745-931-5. Apostila do curso de licenciatura em Ciências Naturais, modalidade à distância, UFPB Virtual (http://portal.virtual.ufpb.br/wordpress/).

Nenhum comentário: